Vindos da Venezuela, irmãos querem voltar a estudar
Os migrantes Carmen e Juan temiam não conseguir vagas em escola pública para seus três filhos. Depois de receber apoio da Busca Ativa Escolar, o casal quer focar na saúde da filha caçula, Daymar, que tem microcefalia
Quando a venezuelana Carmen Andreina, 30 anos, buscou uma escola pública para saber como matricular os três filhos recém-chegados ao Brasil, foi logo tomada por um sentimento de desesperança. Na unidade de ensino, quem a atendeu não entendia o espanhol; ela mal consegue se expressar em português – menos ainda para entender trâmites burocráticos e pedidos de documentos. “Só consegui pensar: “meu Deus! meus filhos vão mesmo perder o ano”, lembra a mãe, que vive em um abrigo para refugiados e migrantes em Boa Vista, Roraima.
Há apenas quatro meses no País, Carmem e o marido, Juan Diego Losada, ficaram angustiados: como o sonho por uma vida melhor no Brasil poderia se concretizar com os filhos fora da escola? Ainda por cima, no momento que seria o início da jornada escolar da caçula da família, a Daymar, de 5 anos.
Com microcefalia leve, a menina – mimada pelos pais e irmãos – foi a principal razão da família ter decidido deixar uma casa própria, amigos e familiares para trás. “Chegou a um ponto em que eram os medicamentos dela ou comida, não conseguíamos bancar os dois”, diz o pai, relembrando a crise social, política e econômica pela qual passa seu país natal.
Foi com alívio que Carmem e Juan saíram do atendimento do mutirão da Busca Ativa Escolar no abrigo onde vivem, realizado pelo UNICEF em parceria com o Instituto Pirilampos.
Ali, Daymar e o irmão, Diego, 8 anos, já tiveram a pré-matrícula realizada por telefone com a Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Boa Vista. E os encaminhamentos foram dados para que a mais velha, Kairelis, 12 anos, fizesse a matrícula na rede estadual.
Com isso, a prioridade máxima da família para 2022 começou a ser resolvida. “Esse apoio foi essencial”, diz a mãe, que ainda conseguiu tirar foto 3x4 das crianças e fazer as cópias dos documentos antes de encaminhá-las para testes de nivelamento e conclusão da matrícula.
A segunda prioridade é seguir com os cuidados da Daymar, obtendo uma consulta com um médico neurologista e um agendamento para operar a catarata em um dos olhos da menina – cirurgia essa que aguardaram por anos em seu país natal. “Tenho fé de que com fisioterapia ela vai poder caminhar. Ela é muito esperta e reativa, compreende tudo, aplaude e sente falta quando alguém vai embora”, diz a mãe ao lado da filha, que se locomove em uma cadeira de rodas. A mãe inclusive está focando na fisioterapia e outros tratamentos da menina antes de concluir a matrícula escolar.
Foi Daymar quem mais sofreu no trajeto para o Brasil. Sensível a estímulos externos, a menina teve três episódios de convulsão no período de duas semanas a partir da saída da cidade natal até Boa Vista, quando as coisas começaram a se acalmar. Desde então, não teve mais crises.
“Nenhuma criança ou adolescente deve ficar fora da escola, não importa de onde ela venha. A educação é um direito que acompanha a criança quando ela deixa o seu país. Junto com as Secretarias Municipal e Estadual de Educação, o UNICEF, em parceria com o Instituto Pirilampos, trabalha para remover as barreiras que pais e cuidadores refugiados e migrantes enfrentam para acessar a escola. Uma criança é sempre uma criança, independentemente de sua nacionalidade e de onde vive”, afirma Julia Caligiorne, oficial de Educação do UNICEF em Roraima.
Acessar a educação em tempos de pandemia tira também um peso das costas dos pais. No caso de Carmen, a responsabilidade de fazer o papel de professora: a escola das crianças na Venezuela, assim como ocorreu na maior parte do Brasil, praticamente não teve aulas presenciais nos últimos dois anos, com efeitos no aprendizado e na saúde mental das crianças.
Hoje, Diego aguarda apenas o resultado do teste de nivelamento para saber a sua série e começar a estudar. Já no caso de Kairelis, a mais velha, a vaga obtida ficava muito longe do abrigo e a mãe está em negociação para garantir que ela possa ir às aulas em uma unidade mais perto de onde vivem.
De qualquer forma, para os três, a ansiedade de retorno às salas de aula se junta ao desafio de estudar num país diferente.
“Quero aprender português em três meses, mas é muito difícil”, diz Kairelis, para quem a escola será uma oportunidade de fazer amigos, mesmo com a ansiedade sobre como será o seu processo de integração.
De resto, enquanto o pai busca emprego e a família aguarda a oportunidade de se mudar para outro estado – dentro da Estratégia de Interiorização da Operação Acolhida, a resposta do Governo Federal, Nações Unidas e sociedade civil para o fluxo migratório da Venezuela –, Kairelis e Diego seguem sendo os irmãos protetores da Daymar: ficam bravos quando alguém chama a irmã por algum nome pejorativo e, quase todos os dias, competem para ver quem dormirá na mesma cama que a caçula. Para evitar conflitos, no entanto, a mãe prefere trazer Daymar para dormir na sua cama.
A Busca Ativa Escolar é uma estratégia presente em mais de 3 mil municípios e 20 estados do País, e que colabora com governos municipais e estaduais para enfrentar a exclusão escolar. Foi desenvolvida pelo UNICEF e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com o apoio do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). O objetivo é apoiar os governos na identificação, registro, controle e acompanhamento de crianças e adolescentes que estão fora da escola ou em risco de evasão, para que cada menina, cada menino possa recuperar a aprendizagem e ter uma trajetória de sucesso escolar. Saiba mais em: https://site.testes.buscaativaescolar.org.br/
Fonte: UNICEF Brasil